sábado, 10 de dezembro de 2011

Como tratar da depressão pós-parto



Estudos científicos do período do pós-parto foram negligenciados por décadas. O maior interesse surgiu do fato de que as mulheres têm uma chance duas vezes maior de terem depressão principalmente durante a vida reprodutiva e nos períodos de oscilações hormonais como o pré-menstrual, o pós-parto e a perimenopausa - período ao redor da menopausa, caracterizado pelas oscilações dos níveis hormonais e sintomas físicos/psíquicos como fogachos (ondas de calor), insônia, tristeza e irritabilidade, por exemplo.

Pesquisas epidemiológicas estimam que mais de 80% das mulheres vivenciam, durante os anos de vida reprodutiva, alguns sintomas depressivos associados aos períodos do pré e pós-parto. A própria Associação Psiquiátrica Norte-Americana (APA) reconhece que os transtornos de humor nestes períodos tenham características particulares. Embora a flutuação do humor possa ocorrer em até 80% das mulheres, apenas 10% a 20% efetivamente irão desenvolver algum transtorno do humor.

Os quadros clínicos depressivos neste período são basicamente três com diferentes níveis de gravidade.
TRANSTORNO

INCIDÊNCIA

CURSO

QUADRO CLÍNICO

FATORES DE RISCO
BLUES (branda) 70-85% Dos primeiros dias até 10 a 14 dias após o parto Instabilidade do humor, choro fácil, irritabilidade e ansiedade Sintomas depressivos durante a gravidez, história de depressão e transtorno disfórico pré-menstrual - forma grave de TPM
DEPRESSÃO PÓS-PARTO (DPP) 10% Do primeiro até o quarto mês do pós-parto, com a mesma duração de um episódio depressivo em outra fase da vida. Pode ou não coincidir ou se confundir com o hipotireoidismo pós-parto Humor deprimido, culpa, ansiedade, medo de causar sofrimento ao bebê e pensamentos obsessivos Depressão durante a gravidez, história de depressão (especialmente depressão pós-parto prévia), problemas conjugais, falta de suporte social e eventos estressantes durante a gravidez
PSICOSE PÓS-PARTO 0,1%-0,2% No primeiro pós-parto com duração variável de semanas a meses Confusão, alucinações e mudanças rápidas de humor (da euforia para a depressão) São três fatores de risco:
Pessoas com histórico pessoal ou familiar de transtorno bipolar do humor
Episódio prévio de psicose (por exemplo em uma gestação anterior);
Ser primípara (primeiro filho)

O que pode causar esses quadros no pós-parto?

A gravidez e o parto exercem efeitos psicológicos, fisiológicos e endocrinológicos sobre o corpo e a mente da mulher. Muitos estudiosos tentam comprovar que as alterações hormonais do período sejam as responsáveis pelos quadros clínicos. Porém, a relevância dessas questões biológicas, para o ser humano, ainda merecem melhores estudos e elucidações.

Por exemplo, embora alguns autores tenham tentado estabelecer uma correlação entre os hormônios femininos (estrogênio e progesterona), além da prolactina, para os quadros de blues, até o presente momento tudo ainda é inconsistente. Outros autores tentaram estabelecer uma correlação entre o aumento dos níveis de cortisol plasmático (hormônio do estresse) e os quadros de depressão pós-parto ou blues, porém, tais resultados também são inconclusivos.

Alterações tireoidianas podem contribuir para o surgimento/agravamento dos transtornos de humor. Alguns autores sugerem uma disfunção da glândula tireóide, disfunção esta temporária, que pode estar associada aos quadros de DPP. Porém, outros estudos também não confirmam tais achados.

A diminuição abrupta dos hormônios gonadais (estrogênio e progesterona), em mulheres sensíveis às mesmas, pode causar quadros psíquicos no pós-parto. O mesmo se refere aos mensageiros químicos cerebrais. Por exemplo, aventa-se a hipótese de que mulheres com quedas maiores de beta-endorfinas (analgésicos naturais), no pós-parto, possam ser mais vulneráveis ao desenvolvimento de quadros depressivos. Porém, a hipótese da sensibilidade individual diferente a todas as alterações fisiológicas, hormonais ou de moduladores químicos, que ocorrem em todas as mulheres neste período, parece ser a mais aceita.
Portanto, embora uma conclusão definitiva ainda esteja longe de ser estabelecida, parece que os quadros puerperais são decorrentes de uma resposta individual anormal às variações hormonais e não das mudanças hormonais propriamente ditas.

Fatores de risco

Diversos fatores de risco têm sido associados ao surgimento desses quadros, no pós-parto e podem ser incluídos nas seguintes categorias:

Fatores estressantes socioeconômicos

História psiquiátrica
História psiquiátrica familiar
Traços de personalidade (ansiosos, obsessivo-compulsivos, ansiosos, etc..)

Fatores estressantes socioeconômicos incluem

- Falta de suporte social
- Eventos de vida negativos
- Instabilidade empregatícia
- Inexperiência com crianças
- Gravidez não planejada
- Pessimismo pré-natal (por exemplo, mães com abortamentos espontâneos prévios)
- Relações conjugais precárias ou falta de companheiro estável
- Relações precárias entre a paciente e a mãe
- Multiparidade (mais de um filho)

Muito cuidado se deve ter com a interrupção de tratamentos psiquiátricos durante a gestação.

Novas classificações sendo avaliadas para transtornos mentais do pós-parto

O nascimento é um fenômeno complexo em termos de psicologia.

Fatores biológicos, psicológicos e sociais interagem entre si.

Mães com partos recentes são vulneráveis a um amplo espectro de transtornos psiquiátricos.

A classificação atual ainda utilizada, parece defasada e com os dias contados, segundo novos estudos científicos. Ou seja, o "blues", a depressão pós-parto e a psicose puerperal devem dar lugar a uma nova e revolucionária classificação, de quatro partes provavelmente, que estará presente no futuro CID-11 (Classificação Internacional de Doenças) e DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico em Saúde Mental), a serem implementados entre 2009-2010 no mundo. O modelo atual, embora importante, é insuficiente para explicar a grande variedade, heterogeneidade e complexidade de todos os quadros clínicos do pós-parto que observamos nas mulheres atendidas no Pró-Mulher (IPq-HC-FMUSP) e em outros centros mundiais voltados à saúde mental da mulher.

Proposta atual de reclassificação dos quadros psiquiátricos do período pós-parto

1) Psicoses, incluindo a orgânica, a psicogênica - de origem psicólogica (relacionada a um estresse severo, como o ciúmes doentio do marido com o nascimento do bebê) e a bipolar, esta última a mais frequente);

2) Transtornos do relacionamento mãe-bebê, que são frequentes em 10%-25% das mulheres, e que podem levar à rejeição da criança, aos maus tratos e até infanticídios descritos. Aqui o foco afetivo é diferente daquele relacionado à depressão propriamente dita. Isso ainda é ignorado ou subestimado na medicina.

3) Depressão: Este conceito é importante por questões legais, porém, do ponto de vista médico está mais enfraquecido, já que a associação entre depressão e puerpério é fraca. Não há uma diferença significativa de depressão entre o período do pós-parto e outros períodos de vida da mulher. As mulheres, com depressão pós-parto, formam um grupo heterogêneo. Algumas têm, na realidade, ansiedade, transtorno obsessivo e transtorno do estresse pós-traumático. Muitas já tiveram outros episódios de depressão, em momentos anteriores de suas vidas.

4) Sintomas resultantes de:

a) Fatores estressores durante o parto (transtorno do estresse pós-traumático)
b) Transtornos de ansiedade específicos, mais frequentes que a depressão, porém pouco enfatizados e valorizados ainda. Por exemplo, 10% das mulheres têm início de transtorno do pânico em tal período
c) Obsessões de machucar a criança ou outras preocupações mórbidas.

Portanto, por conta da diversidade da doença mental no pós-parto, dos riscos ao recém-nascido e à própria mãe, intervenções mais eficazes, incluindo as profiláticas, são necessárias, com classificações e diagnósticos psiquiátricos mais adequados. Os dias dos atuais manuais diagnósticos e classificatórios em saúde mental realmente parecem contados. A futura versão dos atuais CID-10 (Classificação Internacional de Doenças) e DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico em Saúde Mental, da Associação Psiquiátrica Americana) devem sofrer uma revolução, no que tange aos transtornos psíquicos do pós-parto, com mudanças significativas.

A relação entre mãe-filho deve ser preservada, até mesmo durante uma internação eventual, com assistência de uma equipe multidisciplinar. A prevenção parece ser a grande chave do tema, embora ainda seja um tema em discussão ampla.

Tratamentos

O tratamento deve ser individualizado de acordo com a gravidade clínica.

A primeira opção é a prevenção. Isso é suficiente para a maior parte dos quadros psiquiátricos do pós-parto. Estudos recentes identificaram a existência de medidas pré e pós-parto eficazes na redução do número de mulheres "de maior risco". Após a identificação de tais subgrupos de mulheres, deve-se oferecer educação, psicoterapia de apoio e até medicação quando bem indicada e orientada. Qualquer tratamento deve envolver equipe multidisciplinar, com o obstetra, o psquiatra e o psicólogo. O enfoque é sempre o biopsicossocial, como em todos os transtornos mentais. Pais e familiares devem também ser orientados. Nunca devemos nos esquecer dos aspectos da vida do casal e das próprias expectativas de mudanças da vida social que podem intimidar ou assustar algumas futuras mamães. A reposição hormonal com estrogênio em altas dosagens ainda requer melhor comprovação científica.

Portanto, o tratamento psiquiátrico das mulheres neste período é complexo. Quando a medicação for extremamente necessária, devem ser tomados alguns cuidados fundamentais:

1º) Todas as medicações administradas às mães durante a lactação, podem ser excretadas no leite materno. A quantidade observada no leite materno, entretanto, é geralmente pequena e considerada de risco mínimo para o bebê.

2º) A exposição ao agente psicotrópico (medicação) também pode ser minimizada se a mãe ingerir o medicamento logo após completada a amamentação. Os psicofármacos (antidepressivos) tendem a se concentrar no leite materno obtido entre 7 e 10 horas após a sua ingestão. O leite obtido neste período deve ser descartado.

3º) Entre os medicamentos considerados mais seguros estão tanto os antidepressivos tricíclicos (mais antigos como anafranil, pamelor), quanto os inibidores seletivos da recaptura de serotonina (Prozac, Zoloft, Cipramil, etc).

4º) "Calmantes", como Lorax, Valium, Lexotan não são indicados. Podem ocorrer sintomas de abstinência no bebê (agitação, insônia, tremores e até convulsões).

5º) A relação risco-benefício sempre deve ser respeitada na escolha dos medicamentos. O uso de medicamentos deve ser reservado para as situações onde a exposição da mãe e do bebê à doença oferecem maiores riscos que a exposição à medicação. A prescrição deve ser feita por especialistas.

Por fim, exclusivamente para os casos graves, como os de psicose pós-parto, com delírios e alucinações, envolvendo riscos tanto para a mãe, quanto para o bebê, a ECT (Eletroconvulsoterapia), conhecida como "eletrochoque", cheia de tantos tabus, mitos e preconceitos é indicada. Quero realçar que a ECT realizada em ambientes hospitalares gabaritados, é um procedimento médico seguro e eficaz, aprovada pela Associação Mundial de Psiquiatria. O paciente é anestesiado, não sente dor, não apresenta riscos e é monitorizado por equipe de médicos anestesista, cardiologista e psiquiatra. Tem resultado mais rápido que a medicação, facilitando a pronta restituição da interação mãe-filho.

Outro tratamento para depressão moderada ou grave do pós-parto a ser testado em breve na USP, pelo Dr. Marcolin (em parceria com o Pró-Mulher), será o de estimulação magnética transcraniana (EMT). Tal técnica, se eficaz, será muito benéfica, pois não tem efeitos colaterais. A estimulação magnética transcraniana (EMT) é uma técnica de estimulação cerebral não-invasiva, foi reintroduzida e desenvolvida para o diagnóstico de transtornos neurológicos, pois induz respostas motoras pela estimulação magnética do córtex motor diretamente.

A indução mútua descrita pelo pesquisador Faraday em 1831 demonstra o princípio da conversão de energia elétrica em campos magnéticos e da conversão de campos magnéticos em elétrica, fundamento do modo de ação dos aparelhos de EMT.

A EMT pode tornar-se um instrumento diagnóstico e terapêutico em vários transtornos neuropsiquiátricos, incluindo a depressão.

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