Os resultados de uma recente pesquisa
do Instituto Avon sobre violência doméstica vêm rodando pela internet –
mas entre tantos dados pertinentes e preocupantes, há um ponto especial
que geralmente passa batido: os abusos psicológicos, verbais e
emocionais. Segundo os resultados, uma porcentagem assustadora de 56%
dos homens entrevistados admitiram ter tido atitudes violentas contra
mulheres. Algumas formas de violência citadas incluem xingamentos,
humilhações públicas, ameaças verbais, empurrões e proibições de sair de
casa em algum momento, sendo os xingamentos os mais prevalentes.
A Psicologia trabalha amplamente com a questão dos abusos verbais. A
quantidade de publicações relacionadas ao tema é vasta e a maioria dos
profissionais concordam que xingamentos dentro de relacionamentos
românticos são sinal de péssimas consequências. Grande parte das
demandas clínicas e de saúde mental envolvem violência psicóloga, crises
de ciúme e o podamento da liberdade do parceiro. É importante perceber
que essas demandas são mais frequentes entre as mulheres e as
estatísticas só servem para confirmar o recorte de gênero.
Mas não é necessário ser profissional ou estudante de Psicologia para
compreender as consequências catastróficas dos abusos verbais. Casos de
violência física e feminicídio muito frequentemente começam com
xingamentos, manipulações e chantagens, formas de violência que não
aparentam ser tão graves no começo, mas que pioram gradativamente. As
narrativas são muito semelhantes e o agressor que esmurrou ou espancou
sempre começa com comentários depreciativos, muitas vezes devido a
crises de ciúmes.
No entanto, as mortes e hematomas não são as únicas consequências que
os abusos verbais precedem, pois a violência psicológica e emocional
causa outros problemas gravíssimos. Um comentário depreciativo é o
suficiente para agredir a autoestima e a percepção de valor próprio do
alvo, várias vezes minando sua vontade de viver. Gestos e palavras
agressivas transformam uma mulher em um rascunho de ser humano, perdida
na dependência emocional e sem forças para enxergar uma realidade
melhor. Os termos e chantagens são tão pesados que fazem com que a
vítima não consiga entender que merece um relacionamento feliz, já que
aquele contexto de sofrimento se torna o padrão, a única opção.
Um dos fatores que dificultam solucionar os relacionamentos abusivos é
que os abusos são, quase sempre, encarados como coisas normais dentro
de um casamento, que “fazem parte da vida”. O discurso conformista é
praticamente unânime. No entanto, permitir que a sociedade continue
encarando brigas violentas, físicas ou verbais, como coisas
indissociáveis dos relacionamentos, é uma colaboração com os
intermináveis crimes misóginos. Se todos os comportamentos humanos
acontecem devido a influências de suas raízes culturais, é óbvio que o
modo como as pessoas lidam com os problemas no campo emocional é a
própria base da violência doméstica. Não adianta tentar impedir os
espancamentos e estupros, mas continuar se omitindo quando um casal
discute e o homem dispara uma bomba de termos chulos, palavrões e
críticas cruéis contra sua esposa.
O fato de que as mulheres são as maiores vítimas dos abusos
psicológicos chama atenção para o machismo da sociedade. São as mulheres
que crescem sob demandas violentas, sendo pressionadas a suportar toda
espécie de xingamento, controle sobre seus corpos e podamento de suas
liberdades. Os axiomas de sensibilidade, compreensão e cuidado continuam
empurrando o sexo feminino para uma história única, sem variações
significativas: ao invés de serem responsabilizados por seus atos, os
homens problemáticos precisam de cuidado e compreensão, pois
considera-se que somente uma mulher amorosa pode ser capaz de
transformá-lo. Até parece um conto de fadas, só que nesses casos é a
mulher que precisa ser maternal e se anular enquanto sujeito para salvar
o homem de seus comportamentos impulsivos e desonestos.
Para além das idealizações, a resignação em um relacionamento infeliz
é frequentemente exigida das mulheres. É por isso que quando são
envolvidas questões de classe e religião, a manutenção do status
econômico e a reputação na comunidade espiritual funcionam como
correntes que mantêm as mulheres presas aos abusos – afinal, “o amor
tudo suporta, tudo espera”. Tal constatação é extremamente preocupante,
pois a sociedade pressiona e coage o gênero feminino a permanecer com
maridos e namorados abusivos, mesmo que reconheçam que o homem está
passando dos limites; a expectativa é de que com paciência tudo se
resolva eventualmente.
Relacionar o amor com a tolerância ao machismo adoece os
relacionamentos, tornando-os venenosos e perigosos. A sociedade induz as
mulheres a se transformarem em mártires, e sob a pena de serem
consideradas infiéis, vadias e negligentes, muitas delas se conformam
com os relacionamentos abusivos. Não é à toa que se espera a desistência
da autonomia por parte da mulher quando a mesma se diz apaixonada. Além
disso, o sexismo ligado aos papéis de gênero contribui fortemente na
manutenção dos abusos: os discursos culturais giram em torno da
“irracionalidade” feminina e de como estão supostamente exagerando
quando reclamam de atitudes dos parceiros. Desse modo, é fácil invalidar
as denuncias das mulheres, pois se são cegas emocionalmente e sempre
reclamam de tudo, nada garante que o homem está de fato sendo violento. É
por isso que testes como este
são tão importantes, sendo uma ferramenta acessível para que mais
mulheres em relacionamentos possam pensar se sofrem risco de abuso.
É preciso alertar homens e mulheres sobre o que configura abuso
emocional e psicológico e controle sobre a outra parte, como quando o
parceiro passa a se incomodar com as roupas que a mulher usa, suas
amizades ou locais que frequenta. Se um homem chega ao ponto de impedir a
saída da mulher e o contato com outras pessoas, é porque ele está sendo
abusivo e machista, tratando-a como um objeto sob seu controle.
Lamentavelmente, a sociedade custa a entender isso e levanta muitos
argumentos para justificar tais atitudes. As pessoas se acostumaram com o
cerceamento, principalmente quando o sexo feminino é que está sendo
cerceado.
Muitas mulheres não sabem que estão sendo vitimadas e permanecem
condenadas a um cotidiano de violência. Por isso, é importante nos
politizarmos e passarmos a nos posicionar a respeito da violência de
gênero. Conscientizar a população sobre a violência psicológica e
emocional deve ser prioridade, combatendo a menor manifestação de abuso
contra qualquer mulher.
*O teste foi retirado da página Machismo Nosso de Cada Dia no
Facebook. Outros testes similares são distribuídos em cartilhas do
governo em todos os estados do Brasil.
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