Por trás da dinâmica familiar na qual impera a figura do cuidador pode haver um padrão traiçoeiro de relacionamento e interação, ocultando fragilidades emocionais
Por Bety France
Considero
relevante escrever sobre este tema, não só por ele prevalecer nas
discussões atuais, como para evitar que pais e educadores perpetuem o
mesmo ciclo de abusos e interação familiar disfuncional que geram filhos
co-dependentes ou portadores de outras doenças.
Minha prática clínica revela como a aplicação de Técnicas de
Educação Disfuncionais e um ambiente familiar contaminado pelo
alcoolismo e outras desordens compulsivas podem comprometer o
desenvolvimento humano e favorecer o surgimento de doenças, mais
enfaticamente desta de que trato aqui, a Co-dependência.
Infelizmente, muitas famílias estão imersas em situações
problemáticas, mas preferem a acomodação à transformação. Afinal,
transformação requer trabalho árduo e gera desconforto. Muitas vezes
conviver com um problema conhecido é mais fácil. A negação do problema é
uma forma de manter a doença, evitar os sentimentos de ansiedade, medo,
culpa, e preservar a homeostase familiar.
Inicialmente, acreditava-se que as raízes da Co-dependência
estavam relacionadas às experiências de abuso da infância e à maneira
como fomos afetados pela convivência com pessoas viciadas em álcool ou
com outras desordens compulsivas.
A convivência com alguém doente e fora de controle por causa da
dependência química parecia determinar os sentimentos (vergonha, medo,
raiva, dor) e comportamentos dos outros membros da família. O membro
viciado tornava-se o foco principal da família, mobilizando os demais
para assumir seus cuidados de maneira compulsiva. Na verdade,
codependentes e dependentes químicos apresentam condições físicas e
emocionais similares - um é viciado em drogas, o outro, em
relacionamentos obsessivos.
Porém em alguns casos, observou-se que, quando os alcoólatras
ficam curados, o comportamento co-dependente da família permanece e às
vezes até se intensifica. Então, passou-se a suspeitar que as causas
ocultas dessa doença antecedessem o vício da bebida, e que outros
fatores poderiam produzir um co-dependente.
Sem dúvida, ter um educador negligente e abusivo e um ambiente
familiar contaminado por vícios e desordens compulsivas são fatores
intimamente relacionados ao surgimento da Co-dependência em outros
membros da família, mas definitivamente não são os únicos capazes de
deflagrar a doença.
Embora cada co-dependente apresente uma experiência única
originada de sua convivência familiar e de sua personalidade, um ponto
comum aparece em todas as histórias de Co-dependência - a influência dos
outros sobre o comportamento do co-dependente e a maneira como o
co-dependente tenta influenciar os outros (sejam alcoólatras, sejam
viciados em jogos ou compulsivos sexuais, sejam indivíduos com reações
excessivamente emocionais ou indivíduos sem autonomia financeira).
Em essência, os co-dependentes são muito sensíveis aos problemas
alheios, dizem sim quando querem dizer não, guardam o que sentem para
não ferir os sentimentos alheios, preferindo ferir a si mesmos. Essas
pessoas freqüentemente parecem ser delicadas e prestativas, tentam ajudar em nome do amor. Porém, o exame mais minucioso revela que elas têm enorme necessidade de controlar e manipular o outro e fazer o que querem.
Como todo investimento para controlar o outro é inútil, o
co-dependente sente-se impotente. O arrependimento e a autopiedade
surgem, fazendo-o sentir-se usado. E para piorar a situação, a pobre pessoa "a
quem tentamos resgatar não é capaz de demonstrar gratidão".
Co-dependentes dão mais do que recebem, e depois se sentem abusados e
negligenciados. Seu maior inimigo chama-se autovalorização reduzida.
Co-dependência é uma dependência paradoxal. Embora os
co-dependentes pareçam objetos da dependência, eles é que são
dependentes. Parecem fortes, mas se sentem indefesos. Parecem
controladores, mas na realidade são controlados pelos vícios e
comportamentos de outras pessoas. Co-dependentes não são mais
disfuncionais ou doentes que os dependentes químicos, mas sofrem tanto
quanto eles, ou mais. Pois comumente suportam sua dor sem o efeito
anestésico do álcool ou de outras substâncias químicas.
A Co-dependência pode desencadear, entre outros comportamentos e sensações, abuso de substâncias químicas, violência familiar e ansiedade |
Na verdade, ainda não se chegou a um consenso se a Co-dependência
deve ser definida como doença ou como reação normal a pessoas anormais.
Particularmente, considero a Co-dependência uma enfermidade
progressiva, que mantém e alimenta a doença das outras pessoas,
impedindo-as de conquistar a autonomia e assumir responsabilidades.
Co-dependentes desejam e precisam de pessoas doentes e dependentes a sua volta, pois só assim se sentem felizes a sua maneira - patológica.
A dependência pode ser química, emocional, financeira e física conforme a doença - clínica ou mental. |
Sua progressão pode desencadear depressão com pensamentos
suicidas, desordens alimentares, abuso de substâncias químicas,
violência familiar, relações sexuais extra-conjugais ou promíscuas,
emoções ou explosões intensas, hipervigilância, ansiedade, confiança ou
negação excessiva e doenças clínicas crônicas. E, ao contrário dos
dependentes químicos, os co-dependentes a que aqui me refiro
dificilmente recebem tratamento, pois sua recompensa são justamente os
cuidados que dedicam aos outros e os esforços que envidam para
agradá-los.
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