Por Kátia Pereira
“Meu pai sempre dizia que mulher, merda e muleta se escrevem com a mesma letra. Eu acho que ele tinha razão”, diz uma paciente acostumada a humilhações.
Segundo
a Lei Maria da Penha, a violência psicológica é entendida como
“qualquer conduta que cause dano emocional à mulher e diminuição da
auto-estima”. São características: ações que prejudiquem e perturbem o
desenvolvimento da mulher, que degradem ou controlem suas ações,
comportamentos, crenças e decisões, ameaças, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição,
insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito
de ir e vir.
“Concordo com essa definição, especialmente pelo fato de ela ser
suficientemente abrangente para conter atos que geralmente não são
considerados como violência, tais como tratar meninas e meninos de forma
diferente em termos da obrigação com os trabalhos de casa” analisa a
Professora Titular do Departamento de Psicologia da UFMG, Sandra Maria
da Mata.
A violência psicológica é histórica e cultural. Sandra da Mata cita
exemplos ainda da infância, como o caso de meninas de 8 anos que se
tornam responsáveis por lavar vasilhas, fazer comida, cuidar dos irmãos,
enquanto os meninos são deixados livres pra fazerem o que quiserem na
rua. “Isso certamente prejudica e perturba o pleno desenvolvimento
dessas meninas.” A psicóloga comenta também as propagandas de cerveja
que julgam o gênero feminino como objeto do masculino e os casos de
maridos que humilham as esposas na presença de amigos.
Outra especialista no assunto, a psicóloga Adelma Pimentel, autora do
livro “Violência Psicológica nas Relações Conjugais” (Summus, 152 págs,
R$ 36,90), também observa precocidade dessa violência que, segundo ela,
ainda é aceita. “Protegida pelo silêncio, incorporada pelos costumes,
herança da sociedade patriarcal, ela se instala nos lares desde muito
cedo, levando casais a estabelecer relações pobres e, muitas vezes,
doentias”
De acordo com a Organização das Nações Unidos (ONU), no Brasil, dez
mulheres são assassinadas por dia. Enquanto a agressão física grita em
números, a agressão psicológica se alastra na surdina. No entanto,
caminham de mãos dadas. “Há uma separação entre corpo e psiquismo, que
só faz sentido para mostrar que a violência não fere só o corpo, mas
fere também a alma. Porém, não existe, na verdade, essa separação, na
medida em que um corpo ferido afeta a alma, e uma alma ferida mostra
esse ferimento no corpo, no adoecimento e até na morte” explica Sandra
da Mata.
Vítima e Algoz
Infelizmente, ainda há homens que mantêm um comportamento
preconceituoso que os leva a praticar a violência. Segundo Sandra da
Mata, são homens machistas, cujos valores e normas têm como objetivo
manter seus privilégios em detrimento dos direitos das mulheres,
considerando estas como naturalmente inferiores a eles.
Nenhuma mulher está livre desse sofrimento ao longo da história.
“Todas somos potencialmente vítimas do machismo, na medida em que somos
socializadas para cuidarmos dos outros – as meninas ganham bonecas para
aprender como cuidar. Isso, de alguma forma, torna a mulher dependente
desses outros na própria constituição de sua identidade”.
Embora seja difícil admitir que aquele que se amou lhe provoque tanta
dor, a mulher deve denunciá-lo ou está condenada a um sofrimento que só
pode ter fim com sua própria vida. “Nós não podemos bater na porta de
cada mulher que sofre violência e perguntar: ‘você quer ajuda?’. Ela é
que deve se manifestar”, afirma a Delegada da Polícia Civil de Minas
Gerais, Margaret de Freitas.
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