Análise de Uma Redação
Por: Daniella Caruso Gandra
Abaixo, através de um texto pequeno, vamos analisar como se dá todo o processo de uma redação bem escrita.
A semente germinará - Autor: Bruno Bertacini Gonzaga
(Vestibular Unicamp / 99).
Ilusões..., descobertas..., renascimento. Crianças na escala
evolutiva, o Brasil e seu povo, após quinhentos anos de inconstâncias de
identidade étnica-cultural, procuram desenhar sua bandeira retirando as
manchas passadistas e fixando-a em firme solo. Trabalho árduo! As
manchas, matizadas durante sua formação, originaram uma nação singular,
mas, incondicionalmente submissa.
O Brasil analogamente aos outros países da América Latina, África e
Ásia, foi concebido como território lucrativo para as potências
europeias satisfazerem seu ideal mercantilista. Na ânsia capitalista
ignoraram a população nativa indígena aniquilando-os; trouxeram escravos
africanos para a tortura em território estranho; estabeleceram-se de
forma autoritária no solo virginal.
Neste enorme caldeirão étnico implantado bruscamente por mãos
absolutistas e composto por uma massa torturada, o resultado foi
inevitável: a criação de uma nova raça sem identidade cultural,
originalidade e presa a interesses externos.
É importante lembrar ainda que, após a saga portuguesa, holandesa,
inglesa em solo brasileiro subtraindo suas riquezas naturais
(Pau-Brasil, metais preciosos) e explorando o trabalho humano, criou-se
espaço para outra forma de dominação, igualmente nociva, intensificando a
“crise existencial” brasileira: a dominação cultural, principalmente
norte-americana.
Entretanto, às vésperas de atingir sua puberdade, a nação busca suas
raízes para estabelecer-se no cenário mundial. Antigos concertos
históricos induzidos pelos exploradores estão desfacelando-se,
resgatando da ilusão a juvenil população. O Brasil não foi descoberto;
foi arquitetado. Norte-americanos não são cordiais; são dominadores.
Políticos não são representantes dos indivíduos; são parasitas.
Nesta busca, portanto, percebe-se que os brasileiros não são reflexos
de seus colonizadores, mas sim uma mistura étnica e cultural
inigualável. É inevitável, porém, que os resquícios do passado
interfiram na sociedade assemelhando-a às “pátrias-mãe”, bipolarizando-a
entre poderosos e oprimidos no ambiente interno e externo. O importante
é que, ao final das descobertas ou redescobertas o Brasil concluirá que
não é o fruto do passado, mas a semente do amanhã.
Vocabulário:
- Desfacelar: desmanchar;
- Resquícios: restos, fragmentos;
- Bipolarizar: divisão em torno de dois interesses.
Esse texto acima está escrito com ideias claras e coesas, facilmente compreendidas pelo leitor.
Dividindo nas partes que compõem uma redação bem redigida ou elaborada, veremos a seguir todo o processo de um texto:
1) ESTRUTURA E SEQUÊNCIA LÓGICA DE FRASES E PARÁGRAFOS:
Primeiramente, é necessário definir o que vem a ser estrutura, sequência lógica e parágrafo.
- Estrutura→ nada mais é do que o desenvolvimento do texto; o conteúdo que se baseia em um tema qualquer, em que, cada uma das ideias está relacionada uma a outra, formando um todo de sentido.
- Sequência Lógica→ são exatamente essas ideias bem estruturadas que vão levar ao leitor compreender o sentido do texto; ou seja, o que se pretende transmitir. Por isso, não pode haver ideias ambíguas (duplo sentido) e nem contraditórias (expressando oposição) do que já fora declarado no texto; também não pode conter frases inacabadas, incompletas ou sem sentido.
- Parágrafo→ é cada unidade de informação construída ou formada no texto, a partir de um tópico frasal (ideia central ou principal do parágrafo – é a “puxada do assunto”).
Então, até aqui, vamos analisar os tópicos frasais dos parágrafos:
O texto de Bruno possui 6 parágrafos, ou seja, seis blocos de ideias. Todas elas seguindo uma sequência de pensamento.
No 1º parágrafo, o autor do
texto inicia-o com três palavras-chaves que fornecem uma visão
abrangente do país, nesse caso, o Brasil, relacionando-o com o processo
de colonização, ou seja, o passado de sua identidade.
No 2º parágrafo, Bruno faz uma
comparação do Brasil com outros países e explica o porquê, explanando,
de forma também abrangente, como fora o processo de colonização e suas
consequências.
No 3º parágrafo, ele cita ser o
seu país herdeiro de etnias diferentes, embora, também, submisso a
interesses capitalistas de outros países.
No 4º parágrafo, através de uma
crítica fortemente embasada tanto no passado quanto no presente, o autor
reitera o que lhe incomoda no seu país, visto ser ainda influenciado
por decisões e culturas externas, principalmente vindas dos Estados
Unidos.
No 5º parágrafo, ele argumenta
que o país está crescendo constantemente, desejoso de se afirmar no
contexto mundial, porém, continuando permissivo diante da exploração que
não só advém do poder externo, mas de seus próprios governantes.
No 6º parágrafo, Bruno, de uma
maneira muito esclarecedora no que diz respeito ao tema escolhido (A
semente germinará), além de um olhar positivo para o futuro de seu país,
conclui que a sua nação pode até se perceber às vezes parte de outras,
confundir-se, mas que no fim, reconhecerá seu valor.
Logo, notamos que as ideias contidas na redação
de Bruno fazem sentido e podem ser compreendidas por quem as leem, já
que formam frases interligadas.
E as frases são sentenças que transmitem algum
sentido, mesmo que seja vago, como por exemplo, as três primeiras
palavras do primeiro parágrafo. Depois que são desenvolvidas, passam a
orações, que contêm sempre verbos e seus complementos.
Note também como os sinais de pontuação são bem
colocados, atribuindo ao texto um tom, uma inflexão de voz (entoação),
nuances. No início, as reticências servem para exprimir que o pensamento está sendo estruturado. Já no 3º parágrafo, os dois-pontos preveem uma explicação, uma descrição daquilo que se afirmou. E o uso dos parênteses, no 4º parágrafo, incluem termos para exemplificar a ideia anterior.
Importante é também saber que nos parágrafos
existem dois tipos de coerências: a interna e a entre parágrafos ou
externa. Mas, antes, vamos entender o que é Coerência: é a lógica das ideias do texto; é a sequência clara de informações.
Agora sim, vamos aprender sobre os dois tipos de coerências.
1) Interna→ ocorre
entre as frases. É quando estas se conectam, se ligam, muitas vezes,
pelos termos de referência. Estes são os pronomes, sinônimos ou
expressões equivalentes. Que tal retirarmos um exemplo do texto acima?
Prestem atenção! Logo no 1º parágrafo, no trecho: “... desenhar sua bandeira retirando as manchas passadistas e fixando-a em
firme solo”. Vemos aí que depois do verbo fixar que está flexionado,
aparece um “a”, este funciona como pronome oblíquo; ou seja, ele pode
ser substituído pelo pronome “ela”, referindo-se à bandeira brasileira.
No penúltimo parágrafo, no trecho: “... a nação busca...”, a palavra é uma expressão equivalente a Brasil, de país, portanto, um elemento de referência no texto, para que não se repita a mesma palavra (Brasil).
Deu pra entender? Espero que sim!
2) Entre parágrafos ou externa→ ocorre
quando há união entre o que já foi abordado e o que vem em sequência (o
dado e o novo). Os elementos são apresentados e retomados no texto.
Isso se dá pela coesão. O que é a Coesão? É quando cada
parte do texto forma o todo (sentido), onde as ideias concordam umas
com as outras, estabelecendo a coerência. Os elementos de coesão mais
usados, a fim de deixarem o texto preciso, objetivo, limpo, são
divididos em:
- Anafóricos ou de retomada: é quando uma expressão, palavra ou frase é retomada no texto, mais ou menos parecido com o que vimos anteriormente. Os pronomes e palavras semelhantes, por exemplo, são também elementos de coesão.
- Catafóricos: é quando se antecipa alguma palavra ou ideia que ainda vai aparecer na frase. Por exemplo: Não deixe de fazer isto: Vá tomar vacina contra a gripe. O pronome demonstrativo “isto” é um elemento de coesão catafórico, pois antecipa a frase que vem depois.
A coesão por elipse (figura
de linguagem) ocorre quando há supressão (omissão) de uma palavra ou
expressão no texto, embora facilmente percebida dentro do contexto. No
5º parágrafo, por exemplo, dá pra perceber facilmente uma leve supressão
da palavra “Brasil”, no trecho: “... O Brasil não foi descoberto; * foi arquitetado.” E nos seguintes também ocorrem pequenas supressões.
A coesão lexical ocorre
quando a intenção é evitar repetições; usam-se sinônimos ou expressões
equivalentes. Por exemplo: Pelé faz parte da comissão técnica da Fifa. O Rei do Futebol tem prestígio internacional. O termo destacado é uma expressão que equivale ao Pelé, pois o identifica facilmente.
As conjunções e locuções conjuntivas são
também elementos de coesão, porque ligam uma oração a outra,
estabelecendo relações de natureza lógica que, dentre tantas, podem ser
de: oposição; concessão; conclusão e etc. No texto de Bruno aparecem
várias. No 1º parágrafo, na penúltima linha: “... mas incondicionalmente submissa.” (oposição); no 5º parágrafo, na primeira linha: “Entretanto...” (concessão); no 6º parágrafo, primeira linha: “Nesta busca, portanto,...” (conclusão). Outros conectores ou elementos de coesão são os sinais de pontuação e as expressões: “Além de”; “Aliás”; “Por outro lado”, e etc.
Além de tudo isso que já abordamos até aqui, há
também outro fator importantíssimo para que uma redação seja bem
apresentada. São os aspectos estéticos do texto, dentre
eles, a letra legível, o alinhamento das frases (correspondência das
ideias) e a ausência de rasuras ou borrões.
Desejo a todos ótimas redações!
Nenhum comentário:
Postar um comentário