domingo, 19 de fevereiro de 2012

Amor Condicional


Amor condicional
por Alex Possato -


Aprendi a amar condicionalmente, quer dizer, tenho que fazer, ter ou saber algo para poder ser amado e... amar. Desde pequenininho. Se eu estava parado: "o que é isso, garoto? Como é que você vai ser alguém se não faz nada?" Engraçado: só pelo fato de eu existir, já não era alguém? Quando estava encostado, ao lado de uma pessoa: "saia já daí! Que falta de educação! Até parece esses moleques de rua! Cadê a sua dignidade?" Se falava alto, gritava enquanto corria pela casa... "pare já de gritar! Você vai dormir mais cedo hoje! Não agüento mais você!" Então, fui me calando... Mas mesmo quieto e calado não recebia o carinho que desejava... simplesmente minha presença passava desapercebida. Achei que tinha que fazer outras coisas para ser aceito e lá, onde vivia, parece que não dava certo.

Um dia saí... e fui morar com outra pessoa. Como ser quieto não dera certo, comecei a ser ativo, super-ativo. Fazia palhaçada, era amigo de todos, me importava com as pessoas, não saía do telefone... Mas não me notavam também. "Você precisa se dedicar a algo! Seja mais específico! Leve alguma coisa a sério..."

Cresci e casei-me. Comecei a me dedicar a algo, especificamente: minha família. Olhei para o passado e vi todos os casamentos dos meus familiares não darem certo. Ou separaram ou viveram infelizes para sempre. E todos eles, sem exceção, tinham na ponta da língua as atitudes que os outros deviam ter para que as coisas andassem direito.

Eu também tinha a minha opinião: iria fazer no meu casamento exatamente o contrário daquilo que vivenciara na infância e adolescência. Procurei ser agradável e provedor com minha esposa. Fiquei presente mais que 24 horas por dia. Tinha bons modos, trabalhava, tinha minha religião. Cuidei sempre dos filhos, ajudava em casa, e... anulava-me. Ao mesmo tempo, anulava a ela que, intimidada com a minha presença constante e supostamente amigável, não podia ser quem era... O preço que ela pagava por eu querer ser aceito por ela como bom marido, era ela deixar de ser... ela. É lógico que isso não ia acabar bem... Como não acabou. Logo, as cobranças começaram, de ambas as partes.

Como eu já me sacrificava tanto pelo outro, exigia que fosse feliz, e não era! E quem estivesse ao meu lado, também não... e nunca seria!

Viver em função do outro

Nossos pais não souberam fazer nada melhor, nem para eles mesmos. Portanto, não é culpa deles o que foi passado... no passado. Fato é que nos ensinam, dia após dia, a viver em função dos outros. Para tudo o que é feito, é esperado uma reação, seja do pai ou mãe, do marido ou esposa, dos filhos, do vizinho, do cliente, do patrão. Aprendemos a não tomar atitudes não porque nos faz bem, mas porque faz bem ao outro. Aprendemos a não xingar o outro porque isso é feio... a sorrir o falso sorriso quando não somos atendidos para ser educado... a não gritar em público... a engolir as queixas do parceiro até o momento em que a garganta está entupida, em nome do bom relacionamento... Tudo isso porque vivemos a vida em função dos outros e não de nós mesmos. Amamos condicionalmente. Dou carinho se recebo carinho. Dou atenção se recebo atenção.

Esquecemos que o ser humano é um ser. Ser o “ser” não está vinculado ao que ele faz ou deixa de fazer. O que fazemos, temos ou sabemos não tem nada a ver com o “ser” humano. Fazer, ter ou saber só serve para discriminar outro “ser” humano que, ou tem mais que eu, ou tem menos. Ou dá mais do que eu, ou dá menos. Ou faz mais, ou faz menos. Assim posso dizer se sou melhor “ser” humano ou pior “ser” humano. Esse conceito capenga que nos foi passado pelos pais e sociedade, e pelos avós, bisavós e toda a multidão existente antes deles, nos faz viver entre dois tipos de atitude: o subordinado e o arrogante sabe-tudo.

Subordinado e arrogante sabe-tudo

Para quem está amarrado ao amor condicional, como eu estava, é subordinado e arrogante sabe-tudo em diversas situações da vida. Por ver sempre os que estão certos e os que estão errados, os que têm e os que não têm, os que sabem e os que não sabem, aprendemos a nos colocar também como inferiores em certas situações e superiores em outras. Quando o papo é no casamento, na família e com os filhos, então... Daí a coisa pega! Aquilo por que nos sentimos reprimidos fora, na sociedade, por viver com medo de não ser aceito pelos outros (e deixando de perceber que os outros nunca podem nos aceitar porque só eu posso aceitar a mim mesmo), soltamos o bicho arrogante dentro do lar. E então vem a culpa, e nos tornamos submissos e desculposos.

Não vivemos o que somos, mas o que fazemos. Sem perceber que o que fazemos não importa nem um pouco... Importa é saber o que somos, um ser especial, único, que apesar da criação, das dores, mágoas, aprendizados, erros e acertos, saber e ignorância, continua a ser tão especial como o outro. Somos todos seres humanos. Nem melhor, nem pior, não importam os atos, a cor, a dor.

O conserto do amor condicional

Conserto? Bem, conserto de relações que muitas vezes duram anos dessa forma é... soltar... Não há o que ser feito, a não ser se conscientizar do que se é... Se permitir viver, fazer coisas por si mesmo, celebrar a própria vida e deixar um espaço entre si e o outro, para que não seja invadido. O amor não pode ser de dependência, porque daí, já não é amor. Se existem condições, se quero que o outro, seja ele meu parceiro, pai ou filho, ajam de determinada forma, não os estou amando. E muitas vezes isso realmente não é possível – o outro não vai mudar, de qualquer forma. Temos o pai e a mãe que temos, e isso não tem jeito. Temos os filhos que temos e isso não vai mudar nunca. Marido ou esposa, hoje em dia, muda-se, quer dizer, troca-se. Raramente, ao mudarmos, aquele que vivia igualmente preso a essa relação de dependência, vai mudar na mesma medida. Isso porque a relação está viciada, e não há amor incondicional.

Somente algumas vezes, ao mudarmos, ao nos admitirmos “sermos seres humanos”, conscientes dos nossos desejos individuais, nossas vontades individuais, nossos prazeres individuais, podemos despertar no outro essa mesma liberdade. Ou não. De qualquer forma, amor só se vive em liberdade. Se existe amor, podemos amar os que não nos amam. Podemos amar os que estão longe. Podemos amar os que nos magoaram. E se não é possível, pois a dor pode ser muita, que pelo menos amemos a nós mesmos incondicionalmente, aceitando até a impossibilidade – no momento - de amar a todos incondicionalmente. Seremos sempre “seres humanos”, não importa o que façamos. Só isso já basta. Isso nos preenche.

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